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Salvador do ponto de vista de planejamento urbano

Carl Von Hauenschild

A situação atual de Salvador  do ponto de vista de planejamento urbano:

De saída, convém definir o que entendemos por planejamento, pois existem visões muito diferentes quanto a isso.  Para alguns, planejamento é o simples ato de fazer um plano para a definição de regras a ser seguidas por quem se interessa por alterar uma propriedade, ou terreno, para um novo uso, urbanização ou edificação.  Essas normas são sempre diferenciadas de acordo com a localização do terreno. Esta é uma visão do planejamento urbano para fins de gerar um instrumento de gestão de controle do solo e de expansão da cidade.  Este tipo de plano é revisado e ajustado a cada período para que se adapte ao desenvolvimento da cidade.  Tal é a pratica na grande maioria das cidades brasileiras, onde planejamento é um ato periódico que acontece só no momento de atualização de planos diretores, prazos de vigencia definidos pelas suas respectivas leis.

 

Para outros, planejamento é um ato contínuo que entende a cidade como um organismo vivo em permanente evolução. Podemos comparar as células correspondendo aos terrenos e imóveis; as veias e artérias correspondendo as vias, trilhos, dutos e linhas de infra-estrutura; o sangue correspondendo aos elementos que circulam, como as pessoas, os veículos, a energia, a água etc.; o sistema digestivo correspondendo ao que alimenta e gera a energia, como as atividades profissionais, a economia, a cultura, a vida social, etc..  

 

Logo, para que esta evolução se perpetue em desenvolvimento próspero de semelhante organismo, é preciso que este tenha um sistema nervoso com:   

Monitoramento permanente de suas funções; 

Monitoramento e correção de falhas de percurso ou doenças; 

Geração de inteligência (memória, constituição de know-how a partir de erros e previsão de demandas do futuro); 

Linha-mestra ou DNA de desenvolvimento a longo prazo, definido por consenso entre os atores presente em cada célula e em cada atividade;

Definição das ações de correção e/ou potencialização do percurso

 

O conjunto destas funções deve constituir o objetivo do planejamento e da gestão urbana. Uma estrutura urbana sem planejamento e monitoramento é um organismo sem cérebro ou acéfalo.   Podemos constatar que Salvador, a RMS e o estado brasileiro sofrem de acefalia aguda. Mas também podemos afirmar que acefalia em organismos urbanos e institucionais é perfeitamente sanável com uma profunda reestruturação do sistema nervoso da nossa metáfora, ou seja, por meio da gestão baseado em planejamento.

 

 

No Brasil, a quase totalidade dos Planos Diretores é fruto de um planejamento periódico que acontece, por força da lei, a cada 8 a 10 anos. Estes planos são o retrato do momento da sua elaboração ou atualização. Eles se limitam a satisfazer a demanda a curto prazo, que é de definir ou atualizar regras e normas básicas de parcelamento, uso e ocupação do solo urbano municipal. Eles se baseiam em demandas imediatistas visualizadas pelos braços operacionais da prefeitura (pelos órgãos de controle urbano); atendem a interesses tanto dos políticos que os aprovam e querem consolidar sua base eleitoral como dos setores econômicos e sociais que querem ver seus problemas pontuais e imobiliários equacionados, tudo no mais curto prazo possível.

De acordo com nossa Constituição, os Planos Diretores definem a função social da propriedade urbana, tanto pública quanto privada.  Esta função social somente é garantida quando seu uso é sustentável a médio e longo prazo: então serve  também para as próximas gerações.  Mas se os PD´s são feitos a partir de uma visão extremamente limitada local e temporalmente, sem uma visão a médio e longo prazo da cidade, eles não garantem a sustentabilidade da cidade no seu futuro.  Cidades administradas na base de tais planos não logram a garantia de um desenvolvimento sustentável. 

Uma visão de nossa cidade do futuro, viável e sustentável a longo prazo, é capaz de gerar um objetivo de consenso na sociedade, um ideal que a grande maioria quer alcançar.  Um plano que seja fruto de uma visão a curto prazo (10 anos), com “soluções” de problemas localizadas, pontuais e do momento, nunca pode gerar um amplo e respeitado consenso numa sociedade. Muito menos podem ser sustentáveis as cidades assim planejadas. Sem um plano de consenso amplo não haverá sinergia que otimize o esforço comum da sociedade e da gestão publica para chegar o mais perto possível da cidade do futuro desejada. Sinergia tem o poder de alavancagem de desenvolvimento sustentável com economia de esforços e de recursos.

Sem os planos de consenso, sem uma regra de jogo clara, pactuada e sustentada por todos os entes de gestão publica, também não há  segurança jurídica, porque o plano diretor vira só um regra municipal. É o caso de perguntar:  Que “função social da propriedade urbana” é esta, incapaz de gerar sustentabilidade das intervenções urbanas a longo e médio prazo? Como pode valer, se não possibilita a integração regional nem a articulação  entre os níveis municipal, estadual e federal? De que jeito se afirmará, se não oferece segurança jurídica para o cidadão e empreendedor?

 

 A qualidade dos PDDU´s de Salvador é um reflexo da visão minimalista do planejamento prevalente na gestão da coisa pública no Brasil, na ótica dos governantes municipais e estaduais.   Cada cidade pode implantar, além do exigido por lei, um sistema de planejamento contínuo, com visão a médio e longo prazo, com integração intermunicipal e regional. O plano compatibilizado com os níveis estaduais e federais e fundado num consenso de desenvolvimento urbano e regional gera sinergia de desenvolvimento entre os diversos interesses da sociedade e áreas econômicas.  Mas as cidades não fazem isso porque os cargos eletivos e de confiança perdem a liberdade de decidir em fa\or do que pinta na cabeça do político.

Salvador substituiu sua lei do processo de planejamento de 1985 por um capítulo no PDDU que simplesmente não é aplicado. Planejamento e planos viram um balcão de negociata de interesses públicos e privados. Os órgãos públicos são submetidos a interesses político-partidários através de uma rede de interesses difusos via inúmeros “cargos de confiança” ou comissionados sem a mínima competência técnica e de gestão e muito menos valores éticos e morais.

É preciso pensar em Salvador como uma metrópole. Uma região metropolitana sem organismo gestor é uma região acéfala. Portanto, o planejamento metropolitano só pode existir se houver um órgão que cuide da RMS. Teoricamente isto pode ser no nível:

Federal, que tem a obrigação, conforme Art. 3 e 4 do Estatuto da Cidade, mas não assume este papel em região nenhuma;

Estadual, que também tem a obrigação, conforme Art. 11 da Constituição estadual, mas desativou a CONDER como órgão metropolitano e muito menos elabora e institui planos metropolitanos porque, conforme disse o governador em reunião com representantes de VOZES, o estado não quer interferir na autonomia constitucional dos municípios.

Municipal, do conjunto de municípios da região —  por exemplo, na forma de um consórcio municipal, como os que existem em algumas regiões metropolitanas. Neste caso,  eles tentam conciliar as demandas puramente municipais entre si, mas não têm forca legal para impor alguma coisa, nem recursos para se administrar. 

Todos os três níveis podem assumir este papel, mas não assumem na RMS por que não dão o devido valor às questões regionais e muito menos ao planejamento de sua integração. Sem planejamento integrativo e uma gestão coordenada das regiões, nunca se terá um potencializacão do desenvolvimento das grandes concentrações urbanas no país, que sempre são formadas por conjuntos de municípios com metas regionais consensuadas para gerar sinergia.

Sem um plano de integração metropolitana, os Planos Diretores Municipais não podem ser realmente integrativos porque não têm definido um sistema de expansão urbana, de centralidades, de habitação, de emprego e renda, de tráfego, de desenvolvimento econômico, de transporte, de rede de infra-estrutura ou de qualidade ambiental.

Muitos estados implantaram organismos metropolitanos nos anos 70 e 80 (como a CONDER na Bahia), mas com a Constituição de 1988 a autonomia municipal foi mais valorizada do que a integração regional e intermunicipal.

Nos últimos 15 anos, os estados e municípios mais evoluídos perceberam que sem planejamento e gestão integrada não há desenvolvimento regional  e assim, na maioria dos casos, os Governos de Estados reassumiriam sua atribuição constitucional de prover a gestão regional e intermunicipal. 

Vamos ver quando o Governo do Estado da Bahia começará a correr atrás do prejuízo acumulado e cumprir sua função. Provavelmente isto só acontecerá quando o Governo Federal e os bancos de desenvolvimento exigirem que os investimentos sejam sustentáveis e para tanto se baseiam em planos de desenvolvimento integrado;  ou senão quando os municípios perceberem que são muito mais fortes como integrantes de uma região do que com município individual. (Decretar novas regiões metropolitanas (como a de Feira de Santana, ou a de Itabuna-Ilhéus sem estrutura operacional forte, não adianta nada. Consíorcio municipal só se cria a partir de esforço dos municípios !!!)

Temos vários exemplos de sistemas de gestão metropolitana implantados pelos governos de estados, como RMBH (34 municípios) de Minas Gerais e CONDESB (14 municípios) da Baixada Santista no Estado de SP, AgemCamp - Campinas-SP, COMEC – Curitiba-Pr, que implantaram um sistema integrado dos níveis municipais e estaduais, gerindo áreas metropolitanas por meio de agências, conselhos, fundos, planos/PDDI´s, assembléias, etc. 

Um exemplo de Consórcio Público Intermunicipal de interesse de integração regional é o GABC (Grande ABC-SP). A grande maioria deste tipo de consórcio municipal se baseia no interesse de compartilhar questões mais operacionais (como saúde, transporte, resíduos sólidos, etc.) impossíveis de resolver dentro do limite de um só município.

 

Como se pode observar na história do município de Salvador, o planejamento e a construção de planos diretores acontecem eventualmente. Em 1943 foi implantado o EPUCS; em 1949 apresentou-se o PD; e até fim dos anos 50 foi desativado o órgão de planejamento. Em 1970 foi criado um novo órgão, OCEPLAN, para retomar o planejamento municipal e formular o novo PD nos anos 70. Mas este só foi institucionalizado, com suas leis do Sistema de Planejamento, PDDU e LOUOS, entre 84 e 86 e entregue ao novo braço operacional de controle, a SUCOM, subordinada à nova SEPLAN.  Em  1977 a SEPLAN iniciou um novo ciclo de planejamento que gerou o PDDU de 2004 e uma sua reformulação em 2008. 

Os PD´s apresentam cada vez mais características normativas operacionais de controle de parcelamento, uso e ocupação do solo. O planejamento com visão a longo prazo foi abandonado e os planos setoriais nunca foram elaborados ou contratados (sistema de transporte, planos urbanísticos, infra-estrutura, meio ambiente, turismo, mercado imobiliário, etc.) 

Planejamento ficou reduzido uma questão de soluções a curto prazo sem a mínima sustentabilidade a médio e longo prazo. Sequer os sistemas de monitoramento do tecido urbano foram implantados; assim não se pode saber o que está acontecendo na cidade nem simular o que estápor vir. Desta forma a gestão pública ficou refém dos acontecimentos e corre permanentemente atrás do prejuízo. 

Se o PDDU não tem uma visão a médio (20 anos) e longo prazo (40 anos) de adensamento e expansão urbana racional, ele não pode, por exemplo, preservar faixas de domínio preservando areas para os eixos viários, do sistema de transporte coletivo e de redes de infra-estrutura; assim sua implantação ficar cada vez mais inviável e infinanciável porque as desapropriações e demolições de edificações ai construídas nesse espaço de tempo demandam altíssimos custos. 

Grandes praças e áreas verdes, necessárias para a melhoria do micro-clima e garantia da qualidade urbana, deixam de ser reservadas para tal função. Importantes linhas de drenagem são estranguladas e não permitem mais sua manutenção, limpeza e desassoreamento  e assim perdem sua capacidade de absorver os fluxos crescentes de águas pluviais. 

Um órgão de planejamento contínuo simula permanentemente parcelamentos, uso e ocupação levando em conta a capacidade de suporte da infra-estrutura existente. Simula também novas demandas não  previstas para adaptar a infra-estrutura existente ou congelar a expedição de alvarás para determinados locais que tenham suas capacidades esgotadas.  O órgão de planejamento tem que gerar um estoque de projetos estruturantes a médio prazo como operações urbanas consorciadas para transformar a mais-valia imobiliária em investimentos públicos estratégicos. O órgão de planejamento deve está envolvido em estratégias de investimentos públicos e privados prioritários na discussão de LDO e PPA´s. Os setores de infra-estrutura, transporte e tráfego precisam de seus planos diretores permanentemente adaptados e corrigidos para atender ao planejamento de longo prazo e garantir a sustentabilidade e viabilidade econômico-financeira, socio-econômica, ambiental e urbanística.

Se um órgão de planejamento não conta com técnicos permanentes, de alta capacidade multidisciplinar, sem envolvimento em negociatas políticas do processo de alvarás e licenciamento, não vai haver planejamento na cidade, nem sustentabilidade de desenvolvimento.

Na constituição brasileira são garantidos em relação à propriedade imobiliária dois direitos: o da propriedade em si e o da função social da propriedade urbana, sendo essa última a que dá autoridade ao poder público para legislar sobre o parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, exatamente para garantir sua função social.  A função social da propriedade urbana é aquela definida pelo Plano Diretor. Então, indiretamente, os índices urbanísticos do PDDU devem resguardar o interesse público. 

 

Quando o PD define índices de ocupação, de permeabilidade, recuos, coeficiente de aproveitamento, cota de conforto e gabaritos de altura, o legislador deve com isto preservar o interesse publico.  Ele deve assegurar um micro-clima bom que preserve área permeável e vegetada, recuos das edificações que preservem a vista, insolação e ventilação, além de um coeficiente de aproveitamento que não extrapole a capacidade de suporte da infra-estrutura existente em termos de densidade de população, postos de trabalho, consumidores, veículos circulantes nas vias. Deve também evitar atividades conflitantes com as restrições de uso de imóveis, assegurar os equipamentos urbanos, sociais, comerciais, de lazer, educação, cultura, segurança e saúde com capacidade e localização adequadas para servir bem à população local e propocionar o máximo de serviços públicos e comerciais, assim como locais de trabalho nos bairros onde se mora.

 

Os índices urbanísticos e o regramento de parcelamento, uso e ocupação do solo devem ser definidos tanto em função dos déficits ainda não atendidos na cidade quanto em função das necessidades previsíveis a médio e longo prazo. Por que toda cidade se adensa e muda sua estrutura urbana continuamente. 

 

O PDDU apresenta um zoneamento com zonas de grande extensão (muitas vezes englobando vários bairros) que define onde devem ser aplicados os diferentes índices urbanísticos, sem conseguir diferenciar as mais diversas situações de saturação da infra-estrutura existente. Isto significa que aplica o mesmo coeficiente de aproveitamento, os mesmos índices de ocupação e permeabilidade, gabarito de altura etc., sem distinguir estes locais por características micro-espaciais, topográficas ou urbanísticas. É aí que está  o principal problema destes últimos dois PDDU´s, que definiram num zoneamento mais macro os índices urbanísticos, ao passo que estes índices devem ser definidos por micro-espaço urbano característico, em termos da lei de ordenamento de uso e ocupação do solo – LOUOS, como no PDDU de 86.  Mas o executivo e o legislativo municipal não conseguiram resistir à pressão e à pressa do mercado imobiliário, que optou pela criação de facilidades para um setor econômico em detrimento dos recursos públicos e da qualidade urbana e ambiental da cidade. O resultado desse equívoco, depois de tão poucos anos, já é percebido por toda a população.  

 

Por um lado, o Coeficiente de Aproveitamento (CA) de um terreno urbano define a área máxima a ser construída e comercializável no mesmo. Basicamente o valor de mercado de um terreno se define a partir desse coeficiente. Por outro lado, o CA define ao mesmo tempo a densidade populacional máxima que se pode instalar dentro da área. Isso significa que  quanto maior for a densidade, maior será a mais-valia imobiliária e também a demanda de investimento em medidas neutralizadoras de impactos negativos no entorno dos empreendimentos.  Então é essencial que a mais-valia imobiliária pague os investimentos de melhorias demandadas.

 

É essencial que o planejadores simulem os efeitos dos índices urbanísticos nos diversos horizontes e prazos, para que comprovem a preservação da qualidade urbana.  

 

Muitos empreendimentos se concretizam plenamente somente a médio prazo e por causa disto é tão importante que seja feito para cada empreendimento o Estudo de Impacto de Vizinhança - EIV, que simula o impacto na constelação futura da vizinhança e prevê os efeitos positivos e negativos de cada empreendimento, sua deficiência de infra-estrutura e equipamentos, fluxos de tráfego, demanda de estacionamentos, equipamentos sociais, urbanos, de educação, saúde, lazer etc. 

 

Somente o EIV permite que a vizinhança e o pretendente comprador de um imóvel enxergue  a realidade projetada, que ele pode esperar (quando este estudo é feito com seriedade técnica, claro está).

 

Por exemplo, se a prefeitura tivesse exigido o EIV dos empreendimentos da Av. Paralela, todo comprador teria percebido, antes da compra, a imensa densidade de edifícios aí projetada, a falta de vista para o verde do entorno, que estava nos folhetos e nas maquetes vistosas (mas inexiste nos empreendimentos), a falta de ventilação natural e a ilha de calor que aí se criou. Sem o EIV, só foi possível perceber depois o problema da falta de escolas, jardins de infância e creches, assim como a ausência até mesmo de lojas de compras rápidas (padaria, açougue, mercadinho) nas proximidades desses prédios, a uma distância passível de ser vencida a pé ou de bicicleta. Sem estas conveniências por perto, as idas e vindas vão sobrecarregar o pequeno trecho da já sobrecarregada Av. Paralela entre os dois retornos, exatamente no horário de rush, - totalmente desnecessários. Com  o EIV publicado, todo isto podia ter sido percebido antes da compra. 

 

Este mesmo exemplo demonstra também como o gestor municipal não soube aplicar os instrumentos urbanísticos de absorção de mais-valia imobiliária (instrumento que se chama de Outorga Onerosa do Direito de Construir) gerada pelo aumento de CA (coeficiente de aproveitamento), aumento este criado sem nenhum mérito ou custo do proprietário do terreno. 

Neste caso, ficou para o poder publico todo o ônus de prover a infra-estrutura externa dos empreendimentos (interceptor de esgoto, melhorias de tráfego e de  transporte público, passarelas e viadutos, subestação de energia, via marginal etc.) quando isso podia ser plenamente custeado pela arrecadação da outorga onerosa. Como os coeficientes básicos e máximos, que compõem a fórmula de cálculo dessa taxa são definidos no PDDU de maneira vantajosa para o empreendedor, acontece o absurdo: o poder público abdica de receita para aumentar suas despesas, perdendo, assim, duplamente. E tudo isso num município em situação pré-falimentar.

O município definiu no seu PDDU o instrumento da Operação Urbana Consorciada, que quer transformar a mais-valia imobiliária gerada em uma determinada área urbana em investimentos estruturantes na mesma área e seu entorno. Este é um instrumento de autofinanciamento de empreendimentos públicos estruturantes em uma cidade que não tem recursos financeiros para custear as melhorias, o que é o caso de Salvador.

Uma simulação demonstrou que uma operação desse tipo poderia ser aplicada para a implantação de um projeto extremamente estruturante, o Centro Municipal Retiro-Acesso Norte definido pelo PDDU de 2004 e 2008. O resultado mostrou que esse modelo de sustentabilidade poderia gerar uma receita para investimentos públicos de aproximadamente R$ 900 milhões, verba que iria garantia a infra-estrutura de todo o Centro Municipal, além de sanear 5 zonas de baixa renda (ZEIS) no seu entorno e resolver o gargalo de tráfego da ligação entre a BR-324 e a Av. Paralela.  Isto demonstrou que existem formas de transformar mais-valia imobiliária na cidade em benefícios públicos onda ambas as partes ganham.

 

O passado demonstrou que a cidade necessariamente não ganha com mega-projetos. Tudo depende de como o gestor público os aprova e define as contrapartidas e condicionantes para a implantação. Aprovar projetos sem ter em mãos os resultados de um EIV - Estudo de Impacto de Vizinhança - é normalmente um desserviço para a cidade, porque os principais impactos não são mitigados.

Os últimos mega-projetos realizados em Salvador demonstraram isto claramente: Frente Imobiliário da Av. Paralela, Horto Bela Vista e complexo Nova Fonte Nova.  De nenhum desses empreendimentos exigiu-se EIV ou que assumissem os investimentos mitigatórios necessários para neutralizar os impactos negativos. Todos esses projetos são tratados como empreendimentos estanques, sem exigir uma integração proativa e potencializadora no tecido urbano do entorno.  Nenhum deles foi analisado com seu potencial de ocupação e ampliação num horizonte próximo. Então não se detectou o impacto real previsível sobre a cidade.

Tendo em vista que mega-projetos envolvem muitos investimentos, os gestores públicos tratam os assuntos relacionados de forma política, atropelando o tecnicamente razoável. Mega-projetos somente valem apena para uma cidade quando forem concebidos em cooperação plena. 

Os gabaritos de altura, GA, estabelecidos no PDDU 2008 não têm nenhuma base técnica, pois não existe uma simulação que aplique os volumes de construção no tamanho e configuração dos terrenos disponíveis. Está acontecendo exatamente o que não deveria ter acontecido: as primeiras grandes barreiras visuais e de ventilação em Jaguaribe, Patamares e Armação. Estabelecer gabaritos de altura de edifícios uniformemente paralelos à linha do mar, sem os devidos recuos laterais, necessariamente vai gerar a primeira grande muralha a tampar vista e ventilação em toda a extensão da orla atlântica. Deveriam ter simulado alternativas de verticalização em faixas de edificações  perpendiculares à linha do mar para ampliar para mais apartamentos a visibilidade do mar e canalizar a ventilação natural para a profundidade continental. 

Do jeito como a coisa ficou, toda a paisagem topográfica sumirá e, com ela, também a beleza e o movimento natural da costa atlântica da cidade. Os autores anônimos deste plano não tinham noção do que estavam definindo em termos de frontispício para a orla atlântica. E o pior é que se trata de uma orla tombada, que demanda uma anuência do IPHAN deste PDDU. O IPHAN, maior instância de preservação de patrimônio histórico, artístico e paisagístico do país, não teve a mínima capacidade de preservar nem um detalhe da história e da paisagem que esta parte da cidade conta para as futuras gerações. Sem a devida simulação dos índices urbanísticos aqui planejados, ninguém pôde avaliar a qualidade deste PDDU. Isto é um desastre irrecuperável para a cidade. 

Passo agora a outro tópico. 

Salvador na verdade não tinha problemas de capacidade da rede de macro-drenagem. Tem problemas de esgoto lançado sem tratamento na rede da macro-drenagem e de tapagem de rios, especialmente nas avenidas de vale.  A cidade sofre da falta de um plano diretor de drenagem e de preservação dos recursos hídricos.

Salvador tem sérios problemas de proliferação de impermeabilização do solo urbano, de estrangulamento e manutenção de suas linhas naturais e da rede (não mapeada/cadastrada) de drenagem. Outro grande problema é a quantidade de resíduos sólidos na rede de drenagem e o lançamento de águas pluviais das residências na rede de esgoto, que não suporta este volume em época de chuva e transborda indiscriminadamente em qualquer lugar.

Salvador precisa urgentemente implantar uma contribuição de drenagem destacada dentro do IPTU, cobrado em relação à área impermeabilizada no terreno.  Precisa implantar em vias públicas pavimentação permeável, pelo menos nos passeios. Precisa de um órgão de meio ambiente e recursos hídricos que realmente cuide destes elementos com dedicação e investimentos contínuos.

Concluo enumerando providências que devemos cobrar de um futuro prefeito, de gestores de Salvador e da RMS.  Desde logo, dou destaque para a implantação de

 

Um órgão de planejamento contínuo, a longo e médio prazo, independente de qualquer órgão operacional; 

Um sistema de monitoramento de índices de qualidade;

Um Plano Diretor de Transporte Coletivo (com visão a longo prazo e metas de implantação);

Um Plano Diretor de Saneamento Básico (com visão a longo prazo e metas de implantação);

Um Plano de Desenvolvimento Turístico da RMS, BTS e Salvador;

Um Plano Metropolitano de Desenvolvimento;

Planos de Bairro de todos bairros com seus ZEIS  (PDDU);

Proponho também que se providencie:

 

Estoque de Projetos Estruturantes relativos a todos os déficits para a cidade;

Plano de metas por biênio e/ou década com horizonte de 40 anos, baseado em índices que realmente possam medir a quantidade/qualidade de melhoria efetiva em relação ao objetivo a médio e longo prazo dos planos;

Estudos de Impacto de Vizinhança, que definam as demandas de modo a garantir a capacidade de suporte do entorno do empreendimento e sua regulamentação (PDDU);

 

Por fim, considero indispensável

 

Fazer funcionar o SISMUMA - sistema municipal de meio ambiente e recursos hídricos, seu código, conselho e conferência bienal, (PDDU);

Implantar o Conselho da Cidade (PDDU);

Trocar 90% dos cargos de confiança por concursados de alto gabarito para garantir continuidade da máquina administrativa nas chefias dos órgãos públicos. 

 
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