Salvador: A Desurbanização Política e Admisnistrativa
Paulo Fábio Dantas Neto
Professor do Dep. Ciência Política e Progr.Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFBA
e pesquisador do CRH/UFBA.
Colaborou para este trabalho (texto e anexos), Sara de Melo Fagundes, mestranda do PPGCS/UFBA e integrante do GP Instituições Políticas Sub-Nacionais,sediado no CRH/UFBA. A ela agradeço a coleta e a sistematização dos dados.
A precariedade (material e em legitimidade política) do Poder Municipal de Salvador e o conflito político e administrativo que freqüentemente sustenta com o Governo Estadual podem ser compreendidos de modo melhor ao se examinar razões históricas e não apenas aproximações ou incompatibilidades político-partidárias momentâneas entre grupos que a cada momento ocupam ambas as instâncias de poder. Essas razões históricas são ligadas a um desencontro entre “cidade” e “política”, problema que já dura meio século e começou com o surgimento da Salvador moderna.
Até o final dos anos 40 do século passado, a política de Salvador estava de acordo com o ambiente da antiga cidade mercantil. Cidade e política estavam em sintonia, ligadas a uma estrutura social tradicional, de escassa mobilidade. Essa sintonia desintegrou-se com a “urbanização sem indústria” (anos 50) e a “industrialização transplantada” de sua Região Metropolitana (anos 60/70). Foram transformações econômicas e urbanas intensas, mas não houve alterações equivalentes no poder político do local, que conservou uma tradição política hierárquica. No poder político da Salvador moderna passaram a se alternar, como faces de uma mesma moeda, um conservadorismo elitista e bairrista e, de outro lado, um populismo que às vezes parecia algo novo, mas eticamente era descuidado e desorganizava a participação política. Portanto, uma política sem urbanidade, além de dependente do Poder Estadual. Este, por sua vez, representava o que então se chamava de “atraso político da Bahia”, cuja maior evidência era o apoio obtido, neste Estado, pelo regime de 1964, que se converteu, na democracia, numa hegemonia de uma liderança pessoal autocrática e carismática.
Antes, durante ou após ACM, não se teve, em Salvador, sucesso sustentável nas tentativas de alterar democraticamente essa lógica conservadora. Quando a vida urbana se modernizou, a política soteropolitana permaneceu travada pela tradição política estadual, da velha “Cidade da Bahia”, não se tornando visível a representação política da nova e conflituosa Cidade do Salvador. O regime militar congelou essa situação e, após a redemocratização, essa representação terminou assumindo uma forma perversa: a forte subordinação a lógicas privadas. Descontados alguns espasmos que podem ser considerados acidentes de percurso, essa trajetória de desencontros entre política e cidade é uma chave para entender, não só o bloqueio da autonomia municipal da capital, como o enigma da “atrasada” modernidade política soteropolitana. Uma modernidade “desurbana”, na qual o poder municipal tem fraca legitimidade política, precária estrutura administrativa e escassa base tributária.
A mudança política vivida na Bahia desde 2006 não alterou esse cacoete na política da capital. São visíveis a olho nu sinais de sua conservação. A tradição predomina, logo, merece atenção.
Alguns dados podem ilustrar dois traços da trajetória a que me refiro. De um lado, a memória de conflitos entre governo estadual e municipal mostra um bloqueio da autonomia política da capital; de outro lado, a memória das relações entre Executivo e Legislativo em Salvador dá uma idéia sobre a conservação da tradição política vertical, seja pelo elitismo conservador, seja pelo populismo.
Política estadual e política municipal: as relações
Os tipos de conflito e convivência entre Prefeitura e Governo Estadual em Salvador explicam, em boa parte, a elevada quantidade de prefeitos que a cidade teve desde os anos de 50 do século passado. Sem contar os interinos, foram, em 60 anos, 22 mandatos de prefeitos (10 por eleição direta e 12 por indicação do governador). A duração média dos mandatos no período foi, pois, 2,7 anos. As relações entre forças e lideranças políticas do Estado e do Município durante 18 desses mandatos , podem ser agrupadas em cinco tipos: a) Conflito com solução “administrativa” através da demissão do prefeito; b) Conflito com revés político do prefeito (cerco político, bloqueio administrativo, crise financeira); c) Convivência através da subordinação política e administrativa do prefeito; d) Hiatos de autonomia política e/ou administrativa e) Instabilidade política e desestruturação do Poder Municipal.
O Anexo 1 (veja todos os anexos a continuação deste texto) descreve os contextos históricos, classificando-os segundo os cinco tipos mencionados. O conjunto mostra a fraqueza do Poder Público Municipal. Do ponto de vista político foram 14 casos de fracasso de 12 prefeito(a)s, seja por demissão (4), cerco e isolamento (2), subordinação (4, em 5 mandatos) ou desestruturação política e institucional (2 prefeitos, em 3 mandatos). As exceções foram os quatro casos tipo D e, mesmo entre esses, só no de Heitor Dias (1959-1963) combinaram-se autonomia, democracia e sustentação institucional, numa estratégia bem sucedida. No caso de Virgildásio Sena (1963-1964), a experiência foi interrompida com a deposição do prefeito pelo golpe militar. Com ACM (1967-1970) houve autonomia de fato do prefeito e êxito da sua estratégia política, mas, do ponto de vista das instituições, nem autonomia, nem democracia. Por fim, no caso de Kertész (1985-1988) a conjugação de autonomia e democracia terminou em fracasso político da estratégia do prefeito. Divergindo do governador, ele apoiou um candidato refém de um empresário aliado que, em poucos meses de gestão varreu a influência de Kertész do governo municipal e, num contexto de relações instáveis, de Tipo E, com o Governo Estadual, promoveu a desestruturação política do Poder Municipal, a exemplo do que vem ocorrendo sob a atual gestão.
Dos 22 mandatos de prefeito, 16 duraram mais de dois anos e foram considerados na análise, juntamente com os de Aristóteles Góes (1953-1954) e Virgildásio Sena (1963-1964) em que, apesar da duração menor, houve conflitos que justificam seus enquadramentos em algum dos tipos de contexto. Os demais quatro mandatos, de Julival Rebouças (1967), Fernando W. Magalhães (1977-1978), Edvaldo Brito (1978-1979) e Renan Baleeiro (1981-1982) ficaram fora da análise pois, além da curta duração, tiveram caráter de “mandatos-tampões”, em momentos de transição.
A atuação da Câmara Municipal
No caso da memória das relações entre Executivo e Legislativo em Salvador, a escassez de dados sobre a vida legislativa impede a tradução em números de um retrospecto histórico tão amplo. Mas é possível afirmar que a atuação da Câmara Municipal vem sendo há décadas afetada por algum ou alguns dos seguintes fatores: a) vida urbana precária do eleitorado representado; b) constrangimentos institucionais vários (golpe, deposição de prefeito, cassação de vereadores, retirada de prerrogativas constitucionais do Legislativo; c) reflexos da baixa autonomia política do município sobre a atitude dos partidos e o comportamento dos vereadores (forte dependência de decisões políticas tomadas fora do município); d) métodos autocráticos e tecnocráticos de gestão, por parte do Executivo, menosprezando o papel da Câmara como instituição e rebaixando a legitimidade dos vereadores.
Certamente se poderá argumentar, com alguma razão, que parte desse quadro desfavorável provém da própria atitude e comportamento de detentores de mandatos legislativos. Sem discutir aqui se a responsabilidade maior é de Chico ou de Francisco pode-se admitir que os aspectos apontados têm duas principais implicações sobre as relações entre Executivo e Legislativo em Salvador: a irrelevância institucional e política do Poder Legislativo e a afirmação generalizada do clientelismo como traço de conduta política dos representantes eleitos na relação com o Executivo.
A partir de 2004, quando o atual prefeito elegeu-se pela primeira vez, surgiu um complicador, com a radical fragmentação partidária do Poder Legislativo. O Anexo 2 mostra que nas duas eleições anteriores os eleitos eram, respectivamente, oriundos de 11 (em 1996) e 14 (em 2000) agremiações partidárias, números já altos para um colegiado de 35 membros. Em 2004 e 2008 os números saltam para, respectivamente, 17 e 19 partidos, aumento mais que proporcional ao aumento do efetivo da Câmara para 41 vereadores. Durante os quatro períodos considerados, 22 partidos estiveram representados na Câmara, mas desses só 12 tiveram sucesso constante (em pelo menos três eleições) e 7 só passaram a ser representados após 2004. O aumento do número de vereadores, a partir daquela eleição, foi totalmente absorvido por minúsculos partidos de peso sazonal, que conquistaram 24,5% das vagas nas eleições de 2008 e quase 15% do total de mandatos do conjunto do período analisado.
Isto é um sintoma da desestruturação política que antes mencionamos. A influência dos partidos relevantes sobre os mandatos dos seus vereadores (já pequena, pela prioridade da política estadual na agenda desses partidos), reduz-se ainda mais com as pequenas dimensões das bancadas, em geral incapazes de, isoladamente, exercer pressões sobre o Executivo, fato que estimula os vereadores a adotar estratégias fortemente individuais para assegurar a conservação dos seus mandatos. A essa estruturação da política em bases partidárias frágeis soma-se a instabilidade dos alinhamentos políticos do prefeito e o alto custo das campanhas eleitorais. Está pronto o cenário para que prosperem práticas clientelísticas e de rendição dos mandatos a interesses de corporações privadas.
É importante que se compreenda a competição política desse modo objetivo, para que a crítica necessária ao estado de coisas atual não descambe para uma pregação moralista, como se soluções só dependessem da conduta ética e da qualidade individual dos políticos. Algumas lendas devem, aliás, ser desmistificadas. Uma delas é a de que os vereadores - por serem pragmaticamente eleitos por pessoas em estado de necessidade ou de desilusão - além de “clientelistas”, são despreparados cultural e intelectualmente para sua missão, o que explicaria a irrelevância da Câmara nas decisões.
Sobre a “qualidade” dos vereadores
Dados sobre ocupação profissional original de vereadores com mandato nos últimos 15 anos (ver Anexo 3) mostram que apenas depois da eleição de 2008 os vereadores vindos de profissões “liberais” de nível superior deixaram de predominar claramente, perdendo espaço relativo no plenário da Câmara para servidores públicos e empresários, categorias mistas que, aliás, também incluem pessoas com nível superior de instrução. A queda no número de profissionais de nível superior eleitos foi muito forte – 19% em 2008, quando ao longo do período ficara entre 37 e 43% - e pede pesquisa mais cuidadosa sobre suas causas. É sugestivo que tenha ocorrido após os primeiros quatro anos de governo de João Henrique, mas só o tempo dirá se a diminuição dessa categoria de vereadores foi uma exceção, ou se chega a ser uma tendência. Quanto à participação de trabalhadores e outros profissionais sem nível superior (cerca de 24%), é próxima à média do período, quando se estabilizou em pouco além dos 20%. No conjunto, o Anexo 3 mostra que o que de bem ou de mal tem se feito ou desfeito na Câmara é, em geral, obra de gente instruída.
O Anexo 4 permite uma análise ainda mais precisa sobre a formação dos vereadores de Salvador. Dados mais detalhados sobre o perfil médio, por profissão ou área de atuação profissional, dos vereadores do período 1996-2008 são ali confrontados ao mesmo tempo com o perfil da Câmara atual e com o da Legislatura 1982-1988. Essa foi representativa do momento político da transição democrática, quando era bem maior a influência da chamada “sociedade civil organizada” sobre as decisões da política municipal, hoje inteiramente moldada pela lógica da democracia eleitoral. Ao contrário do que se costuma dizer, aquela Câmara que contrastou com a tradição, em sua atuação independente, aguerrida e vinculada à “sociedade civil”, teve participação de profissionais de nível superior equivalente à média do período 1996-2008, embora bem acima da situação atual. Parecia-se mais com a Câmara atual no peso maior de servidores públicos> Só que enquanto em 1982 houve mais presença relativa de servidores, ou ex-servidores, do tipo “tradicional” (policiais, professores e funcionários administrativos), no período atual é maior a presença de servidores oriundos de áreas técnicas. Assim como no período 1996-2008 aumentou em cerca de um terço (de 15 para 20%) a participação de trabalhadores sem nível universitário. Mais um efeito da plena democracia eleitoral.
Já a participação de empresários era bem menor em 1982 do que passou a ser a partir de 1996, além de mais significativa de pequenos empresários do setor educacional. Agora, além de maior, a participação é mais diversificada em setores, abrangendo tanto pequenos comerciantes como empresários de porte, ausentes da Câmara nos anos 80. Isso revela o interesse e influência crescentes de corporações privadas em processos eleitorais, mas também ajuda (assim como os relativos a servidores e profissionais de nível superior) a desmentir a lenda do “despreparo” dos vereadores.
A descontinuidade na gestão administrativa atual
Do lado do Executivo os problemas não são menores e certamente dão sentido, ainda mais que os do Legislativo, à crise atual. Seria interessante também observá-los historicamente, mas o que se acumulou durante os dois mandatos do atual prefeito exige um tratamento à parte. Como o espaço previsto para este texto não permite fazer as duas coisas, optou-se pela atualidade, acrescentando, ao que já foi dito sobre a trajetória histórica de indigência política da Prefeitura, que o caos administrativo a ela ligado também vem de longe, embora os dados a seguir não deixem dúvida de que o atual prefeito deu uma contribuição política inesquecível a esses antigos problemas de gestão.
No Anexo V constata-se que durante os 80 meses de governo de JH, transcorridos até aqui, Salvador assistiu a posses de 63 secretários nas quinze secretarias existentes no início do primeiro mandato , reduzidas a onze no segundo , sem que diminuísse a rotatividade. Ao contrário, o tempo médio de permanência de um secretário no cargo - dezoito meses, durante o primeiro período de quatro anos - tem sido quinze meses, nos dois terços já cumpridos do segundo mandato.
Além da Secretaria de Relações Internacionais, que teve vida curtíssima, sendo incorporada ao Gabinete do Prefeito.
Em dezembro de 2008 a Câmara Municipal aprovou a Lei 7.610/2008, que estabeleceu uma reforma administrativa, através da qual foram extintas cinco secretarias (as de Governo; de Habitação; de Articulação e Promoção da Cidadania; de Desenvolvimento Social e a de Economia, Emprego e Renda), sendo suas atribuições redistribuídas entre duas novas pastas com status de secretaria (a Casa Civil e a de Trabalho, Assistência Social e Direitos do Cidadão), entre outras duas secretarias que foram renomeadas (a de Administração tornou-se de Planejamento, Tecnologia e Gestão; e a de Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente mudou para Desenvolvimento, Habitação e Meio Ambiente) e entre outros órgãos, alguns criados ou recriados pela mesma reforma. Na mesma época (início de 2009) também foi extinta a Secretaria de Esportes, Lazer e Entretenimento, sendo suas atribuições absorvidas pela pasta da Educação e Cultura, a qual passou a denominar-se Educação, Cultura, Esportes e Lazer.
No Anexo V levou-se em conta os vínculos estabelecidos na citada Lei 7.610/2008, entre secretarias extintas e criadas, ao agrupá-las em áreas de gestão para efeito de comparação da rotatividade dos seus titulares.
Das áreas de gestão apresentadas no Anexo V , as mais atingidas pela instabilidade foram as que hoje estão reunidas na Secretaria do Trabalho, Assistência Social e Direitos do Cidadão e na de Educação, Cultura, Esportes e Lazer (cujos secretários tiveram permanência média no cargo de 7 e 10 meses, respectivamente). Mas também é bastante alta a rotatividade nas áreas de gestão hoje reunidas na Casa Civil (onde se concentra a articulação política) e na Secretaria de Planejamento, Tecnologia e Gestão. E mesmo nas áreas de menor rotatividade (correspondentes às atuais secretarias de Serviços Públicos, Reparação e Fazenda) a permanência média dos secretários foi só de 20 meses.
Os dados ano a ano revelam ainda que nos de 2007, 2009 e 2011 a rotatividade se intensificou. No ano de 2009 ocorreu a montagem da equipe para o novo mandato, a partir das novas alianças que o prefeito celebrou em sua campanha pela reeleição. Já 2007 e 2011 foram anos posteriores a eleições estaduais, nos quais o prefeito exercitou intensamente sua vocação à migração partidária, mudando também o seu sistema de alianças para se reaproximar dos Governos Estadual e/ou Federal. Este fato e mais o da instabilidade ser maior em áreas sociais e de articulação política (mais sensíveis a barganhas com atores político-partidários) mostram que a descontinuidade administrativa é, no momento, filha do malabarismo político do prefeito. Ela é relevante, pois desmonta mecanismos de gestão da Prefeitura de Salvador, castigando a população usuária de obras e serviços municipais.
Mas como já dito, o atual prefeito agravou, mas não criou os problemas de gestão da Prefeitura. Vindos de longa data, eles causam situações-limite, como, por exemplo, no setor de transportes, onde o desvio do foco da gestão, há mais de uma década, da operação do sistema existente para o projeto do metrô foi fatal para que hoje a organização corporativa das empresas de ônibus tenha mais capacidade de obter informação e exerça controle do sistema mais moderno e eficaz que o realizado pelo Poder Municipal. No que se refere ao caráter público da política de transportes é um retrocesso. Guardadas as proporções, ele torna a atual situação de fraqueza da Prefeitura comparável à que havia em 1981, época do quebra-quebra dos ônibus em Salvador. Não é a toa que as empresas, meras concessionárias, arvoram-se a constranger o Poder Público no planejamento da mobilidade urbana.
A arrecadação municipal e seu papel na crise financeira de Salvador
Por fim, para completar o quadro da desurbanização política e administrativa do Poder Municipal de Salvador, algo precisa ser dito sobre sua situação financeira, mais precisamente sobre sua receita. As análises costumam frisar que a arrecadação do município de Salvador está muito aquém da que seria bastante para responder à demanda por obras e serviços. Como se sabe, condições atípicas de sua Região Metropolitana (na capital residem mais de 80% dos habitantes da RMS) agravam o problema. Como já mostraram pesquisas de especialistas, parte dessa população, embora residente, trabalha em outros municípios da RMS, pouco contribuindo para a arrecadação do município.
Dos três bilhões de reais que o município arrecadou em 2010 cerca de 46% corresponderam a receita própria, da qual os principais itens são o ISS (17,5%) e o IPTU (6,6%). Cerca de 54% do arrecadado correspondeu a transferências da União ou do Estado, sendo que, entre estas, os repasses do SUS, que se tornaram relevantes no perfil da receita a partir de 2006, atingiram 15% do total arrecadado pelo município em 2010, ultrapassando a cotas do FPM (fundo federal), do ICMS (imposto estadual), responsáveis, respectivamente, por 13% e 14% da receita. Este dado é digno de nota inclusive para se procurar outras explicações para a caótica gestão na área da Saúde.
O perfil da receita municipal em 2010 está muito próximo do que vem sendo a média anual nos governos de João Henrique, permitindo compará-lo, no Anexo 6, com o que ocorreu nos cinco últimos anos de Antonio Imbassahy. A receita própria (em média 48,6% da receita de 1999 a 2004) perdeu peso relativo, passando a 43,7% com João Henrique, chamando atenção a redução da importância do IPTU (de 8,8 para 6,9%) enquanto o ISS se mantém estável. Aumentou, portanto, o peso das transferências (de 51,4 para 56,3% da receita) e nesse ponto vale notar, além do grande aumento de importância dos repasses do SUS, um discreto aumento do peso relativo do FPM (fundo federal) e a queda (de 18,5 para 14,8%) do peso das cotas-parte do ICMS, possivelmente um efeito do fim da situação política de alinhamento que a prefeitura observou na relação com o Governo Estadual durante as gestões de Imbassahy. Porém, tanto o FPM quanto o ICMS, sendo transferências regulares, com critérios institucionalizados, não oscilam de modo relevante por motivos políticos. Seja como for, se forem comparados, não apenas as do FPM e do ICMS, mas o conjunto de todas as transferências, recebidas pela Prefeitura nas gestões dos dois prefeitos, carece de razão a freqüente queixa do atual quanto a apoios de outras instâncias da federação. Por outro lado, é verdade que, no conjunto dos dois períodos, Salvador teve de se virar com recursos próprios mais do que cidades de porte, estrutura social e situação regional semelhantes, como Recife e Fortaleza. De 1999 a 2010, enquanto em Salvador transferências da União e Estado representaram, em média, 53% da receita municipal, nos casos de Recife e Fortaleza elas chegaram, respectivamente, a 59 e 60%.
Essa relativa desvantagem de Salvador merece uma leitura política. Objetivamente, o Anexo 7 compara os tamanhos das populações e das receitas das três capitais nordestinas mencionadas. Calculando a receita per capita de cada uma, mostra também o tamanho do problema social envolvido. De 1999 a 2004, enquanto a Prefeitura de Recife dispunha, anualmente, de 650 reais e a de Fortaleza de 500 reais para empregar com cada habitante da sua respectiva cidade, a Prefeitura de Salvador dispunha de 380 reais para cada habitante. Vemos também no mesmo Anexo 7, que durante o período das gestões de João Henrique (de 2005 até julho de 2011) houve um considerável aumento das receitas disponíveis às três prefeituras. Em ambiente de estabilidade econômica é significativo que as receitas anuais médias dos municípios tenham crescido 117% (Recife), 151% (Salvador) e 182% (Fortaleza). Mais uma conjuntura favorável a João Henrique, embora a comparação entre as três capitais ainda desfavoreça a Prefeitura de Salvador, que passou a dispor de 810 reais anuais para cada habitante, contra 1.210 reais por habitante, disponíveis às Prefeituras de Recife e Fortaleza.
Pode-se agora qualificar melhor a crise financeira da Prefeitura de Salvador, no que diz respeito à arrecadação. Se por um lado permanece um déficit de receita, que historicamente está aquém das necessidades sociais (como mostra a comparação com as outras duas cidades) e também das possibilidades (como mostra o desempenho pífio do IPTU) por outro lado ficou claro que, dentro desses limites, a situação melhorou no período de João Henrique. O quadro é de escassez de recursos, mas pelo lado da receita não há nada que justifique o caos em que as finanças correntes da Prefeitura se encontram. A gestão atual agravou a dificuldade histórica ao não dinamizar sua receita própria (especialmente o IPTU) e ao não aproveitar a maré externa favorável (no Estado e na União), maré que talvez não se sustente, por incertezas econômicas recentes com que o País se defronta. Mas não se pode ter chegado ao ponto a que se chegou, apenas pela falta do dever de casa na arrecadação. Afastada a hipótese de que o caos provenha da receita, é preciso buscar suas razões no lado da despesa pública, para saber o que foi feito dos recursos que chegaram aos cofres municipais.
Uma questão de fundo e algumas perspectivas
Claro que tem muito mais política envolvida nessa situação persistente. Aqui e ali se poderia apontar um maior ou menor apoio de governos federais, ou estaduais. Mas a questão de fundo é que o Poder Municipal de Salvador tem falhado no seu principal desafio político: adequar a política que pratica os serviços que presta às demandas dos cidadãos. Numa palavra, aproximar cidade e política. As próximas eleições são ocasião de buscar caminhos para superar o abismo que há entre elas. Mas não tenhamos ilusões municipalistas: a hora da autonomia como solução já passou. Perdeu-se o bonde. Agora ela continua sendo importante, mas não basta mais. Em Salvador, mais do que em qualquer outra capital brasileira, soluções para os macro-problemas da cidade só são concebíveis em escala metropolitana. E isso vale não só para o planejamento urbano, a infra estrutura, o transporte. Vale também para a política, já que aqueles que receberem mandatos vão precisar de firmeza, paciência, humildade e novas regras para promover e liderar um entendimento político entre os Governos e as Câmaras municipais da RMS e deles todos com a instância federal e a estadual. Sem mais omissões, demissões, cercos, subordinação, ou desestruturação política e institucional.
Anexo 1:
Anexo 2:
Anexo 3:
Anexo 4:
Anexo 5:
Anexo 6:
Anexo 7: