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Situação atual de Salvador do ponto de vista ambiental e de uso do solo

Julio Cesar de Sá da Rocha

Professor da Faculdade de Direito da UFBA/UNEB. Advogado.

 
Temas: permissividade para com a ganância imobiliária, perda de áreas naturais na cidade e ausência e má distribuição de espaços públicos na cidade.

1) Licenças ambientais recentes da PMS

O primeiro elemento a ser colocado é de que do ponto de vista legal, pela própria Constituição Federal, art. 225, art. 23 c/c art. 30) um município tem autorização para licenciar atividades potencialmente impactantes em seu território. O problema é que a Prefeitura de Salvador tem autorizado atividades sem critério, pois não existe lei municipal que defina o procedimento para atuação local. Somente a Lei 6976/2006  trata da licença para atividades de pequeno porte (estação de telefonia sem fio e de rádio base). Assim, obras de extremo impacto ambiental e atividades têm sido autorizadas simplesmente com base na conveniência de quem está no poder. Assim, empreendimentos vários têm sido autorizados e obras realizadas pelo próprio município sem atendimento ao princípio da legalidade (cumprimento da lei mas, se não há lei municipal deve-se obedecer aos principios da lei estadual ou nacional).

O financiamento do sistema de meio ambiente é deficiente, não existe disposição legal sobre fundo municipal ambiental, IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano)/ISS ecológico (imposto de Serviços). Por sua vez, a fiscalização ambiental é extremamente frágil, limitando sua atuação em poluição sonora (pela SUCOM, Superintendência de Controle do Uso do Solo), sem qualquer atuação para coibir desmatamentos, comércio ilegal de fauna silvestre em feiras livres, corte de árvores isoladas (desarborização). Aliás, a própria Prefeitura de Salvador é responsável por desmatamentos de toda ordem.

A qualidade ambiental da capital baiana tem se depreciado gradativamente, os rios urbanos estão degradados, as dunas e manguezais impactados pelo crescimento imobiliário, a perda da cobertura florestal interfere na temperatura e umidade urbana. Não existe monitoramento sistemático da qualidade do ar, somente recentemente algumas estações de monitoramento foram implantadas experimentalmente em pontos da cidade e são operadas por terceiros (pela Central de Efluentes Líquidos do Complexo de Camaçari).  

A última versão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) de 2008 (Lei 7400/2008)  favorece a verticalização urbana, por exemplo,  com  a alteração dos gabaritos de altura das edificações da borda marítima, perda de área verde de forma contínua e a ocupação crescente dos últimos espaços livres, como a Avenida Paralela, o Vale Encantado. Não existe Plano Diretor de Arborização, Plano de Macro-Drenagem Urbana,  legislação de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), nem Plano de Transporte Urbano Integrado como em outras capitais. Aliás, os procedimentos de aprovação do PDDUA foram feitos sem mobilização da sociedade, audiências públicas tiveram papel  unicamente “simbólico” . Ademais, o Legislativo não teve qualquer atitude responsável de ampliação da participação popular e aprovou na “madrugada” a proposta do Executivo.


2) Relações da PMS com o IBAMA e o INEMA

É necessário registrar que Sistema Nacional de Meio Ambiente SISNAMA (Lei Federal 6.938/81) é um sistema descentralizado e constituído pelos órgãos de meio ambiente nas três esferas de governo. As deficiências na gestão ambiental em Salvador são expressas e criam obstáculos na relação com o órgão federal (IBAMA) e estadual de meio ambiente e dos recursos hídricos (INEMA). Situações conflituosas ocorreram com o episódio da proposta de requalificação das barracas de praia e diversas autorizações municipais para construção de empreedimentos imobiliários na área da Avenida Paralela como vetor de expansão da cidade. Lá operam grandes empreendedores da construção civil e é necessário evidenciar que a fragilidade da legislação e fiscalização ambiental favorace este setor, que, assim, negocia diretamente com os responsáveis do poder municipal abrindo brecha para casuismos e preferenciais não amparadas por lei.

É absurdo dizer, mas falta legislação ambiental urbana (Código de Meio Ambiente), a estrutura administrativa é deficiente (SMA/SEDHAM), existe número reduzido de fiscais e falta de aparelhamento. O Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM) não é convocado regularmente para analisar as licenças ambientais: grandes empreendimentos estão sendo implantados em áreas nobres, como na Avenida Paralela, sem consulta obrigatória e regular do Conselho. Enfim, a sociedade soteropolitana está “bloqueada”, impedida de exercer cidadania urbana.


3) Riscos recentes ao patrimônio hídrico da cidade

Salvador está inserida na Região hidrográfica do Atlântico Leste, mais especificamente na Região de Planejamento de Gestão das Águas do Recôncavo Norte e Inhambupe. A água que abastece a capital vem da Barragem de Pedra do Cavalo, no Rio Paraguaçu, e dos rios Joanes e Ipitanga, localizados na Região Metropolitana de Salvador. Ou seja, a cidade não consome nenhuma gota de água dos seus rios. O município de Salvador tem 12 bacias hidrográficas (Seixos-Barra/Centenário, Camaragipe, Cobre, Ipitanga, Jaguaribe, Lucaia, Ondina, Paraguari, Passa Vaca, Pedras/Pituaçu, Ilha de Maré e Ilha dos Frades. 

A situação dos rios urbanos é extremamente delicada, sendo que a maior parte das sub-bacias hidrográficas urbanas sofre o efeito da urbanização, ausência de tratamento eficiente de esgoto, carências de infraestrutura, intensa especulação fundiária e imobiliária, problemas de transporte e periferização da população, com cidadania limitada. Os rios urbanos são, em sua maioria, condutores de esgoto. Dados do monitoramento em estudo da UFBA (CIAGS, 2010), nenhum dos 12 principais rios da cidade apresentou Índice de Qualidade Ambiental (IQA) ótimo. Somente os rios Cobre e o Ipitanga atingiram o índice regular e bom. 

Por sua vez, a Prefeitura tem executado o plano de “tamponar” ou “enterrar” os rios urbanos e lagoas. A primeira obra foi o Canal da Avenida Centenário, o segundo, o Canal do Imbuí. Agora estão tampando a Vasco da Gama para possibilitar a criação de vias para circulação de ônibus. A alternativa de fechamento dos rios tem sido criticada por especialistas e condenada pelo Ministério das Cidades (Governo Federal). Enquanto diversas cidades estão despoluindo e abrindo novamente (renaturalizando) os rios, como Belo Horizonte (Rio das Velhas), aqui a lógica é de fechar os rios, colocando a “poeira  para debaixo do tapete”. Aliás, o Plano Municipal de saneamento está sendo feito a “toque de caixa”, sem participação da sociedade. O mapa abaixo indica as bacias hidrográficas em território de Salvador.

Mapa 1 - Bacias Hidrográficas

 

4) Analise a qualidade da coleta de Lixo em Salvador e atrasos na implantação da coleta seletiva em comparação a outras cidades

A coleta de lixo em Salvador atende a interesses do mercado das “grandes” empresas de coleta (VEGA/REVITA, TORRE, MG, AMARAL), que lucram pelo peso do lixo recolhido e sua deposição nos aterros sanitários (Aterro Metro-Centro). O Plano Básico de Limpeza Urbana (PBLU), agora Plano de Resíduos Sólidos, ainda não foi implementado, mas a lógica da Prefeituta é realizar de forma centralizadora, sem participação popular. A prefeitura não estabelece a reciclagem como política pública regular e sistemática, porém existem pontos de entrega voluntária (PEV) em bairros indicados  (Campo Grande, Dique do Tororó, Parque da Cidade, Jardim dos Namorados, Lagoa do Abaeté, Praça do Imbuí, Praça guaratinga, Praça de Nazaré, Solar Boa Vista, Largo do Bonfim e Largo das Baianas/Amaralina).

Por sua vez, cooperativas de reciclagem atuam com muito esforço em partes da cidade (21 cooperativas registradas).  Existe uma mobilização socioambiental urbana das redes de reciclagem à margem das empresas de lixo. Enfim, a reciclagem ainda é tímida por completa omissão do poder público municipal.

Para estabelecer comparação com outras cidades, sete municípios brasileiros conseguem atender toda a população com serviços de coleta seletiva: Santos, Santo André, São Bernardo do Campo (os três em São Paulo), Itabira (MG) e as capitais Curitiba (PR), Porto Alegre (RS) e Goiânia (GO). No total de 5.564 municípios brasileiros, apenas 994 faziam coleta seletiva de seu lixo em 2008 (17,86%) do total. A informação é da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), referente ao ano de 2008/Insttuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).


5) Montante e localização de áreas verdes perdidas recentemente, distribuição de áreas verdes na cidade e distribuição de espaços públicos na cidade

As unidades de conservação mais significativas são metropolitanas (Parque de Pituaçu, Parque do Abaeté e APA das Lagoas e Dunas do Abaeté, Parque de Pirajá/ São Bartolomeu e Parque Zoobotânico), com algumas poucas municipais, como o Parque da Cidade o Horto Mata dos Oitis. Importante registrar que não existe mosaico de unidades de conservação e nem corredores ecológicos entre as áreas protegidas existentes. Os ecossistemas urbanos são de extrema relevância como bolsão de vegetação ao norte da represa de Pituaçu, entre a Avenida Paralela e a Praia de Patamares, restingas do Abaeté, florestas a montante do Rio do Cobre. As ilhas pertencentes ao município do Salvador, como a Ilha de Maré, sofrem com desmatamento, poluição e ausência de equipamentos públicos. 

 Mapa 2 - Áreas Protegidas

 

Com efeito, não existe opção, com visão estratégica, pelo poder público em Salvador, de criar reservas de verde, em parques e bosques que unam as funções de preservação ambiental e cultural. Alguns parques poderiam ser lineares, implantados ao longo dos rios urbanos e nos fundos de vale, constituindo uma espécie de barreira para impedir a ocupação indevida dessas áreas, sujeitas a enchentes, e para livrar os rios e córregos da degradação, como a transformação em depósitos de lixo e ser um “corredor ecológico” para as especies.  

Por exemplo, Curitiba tem um dos maiores índices de áreas verdes do país: 51 m2/habitante. A Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU) propôs como índice mínimo para áreas verdes públicas destinadas à recreação o valor de 15 m2/habitante (SBAU, 1996). Dados sobre a situação de Salvador ainda não foram disponibilizados, mas o ritmo de desmatamento e a perda de cobertura florestal é vísivel, basta observar onde antes era mata e cede espaço para conjunto de edifícios e condomínios.

Mapa 3 - Valor ecológico da cobertura vegetal

 

 
Indicações chaves sobre o tema para o/a futuro/a prefeito:
que compromissos você cobraria?

1 – Elaboração de nova proposta de Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) com participação da sociedade através de audiências públicas participativas, democráticas e abertas;

2 -  Elaboração de proposta de Código de Meio Ambiente de Salvador, discutido em audiências públicas e com participação do Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM);

3 – Revisão das licenças ambientais concedidas em desconformidade com a legislação ambiental, como as autorizações da Avenida Paralela (Greenville, Alphaville etc);

4 – Criação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente com realização de concurso público para implantação de quadro compatível de servidores;

5 – Instituição de unidades de conservação municipais, como o Parque Municipal do Vale Encantado; implantação de corredores ecológicos entre as áreas protegidas existentes;

6 – Criação de tributação ambiental, com criação de IPTU ambiental e ISS ecológico, incentivando a manutenção de cobertura vegetal no território da cidade.

 
REFERÊNCIAS

SOCIEDADE BRASILEIRA DE ARBORIZAÇÃO. URBANA – SBAU. “Carta a Londrina e Ibiporã”. Boletim Informativo, v.3 , n.5, p.3, 1996.

SANTOS, Elisabete et alli (org.). O caminho das águas em Salvador. Salvador: UFBA/CIAGS; SEMA, 2010.  

 
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